sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Finalmente o fim do call center


Depois de dois anos com medo do leão, resolvi enfrentá-lo. Foram dois anos sem estar matriculado regularmente em um curso e somente frequentando disciplinas isoladas na UFMG. Esse ano fiz o concurso de doutorado e passei em primeiro lugar na linha de pesquisa de lógica e filosofia da ciência. Fiquei em quarto lugar na colocação geral e em terceiro lugar na prioridade de bolsas. Uma nota bem satisfatória e uma vitória merecida. O caminho não foi fácil. Nesses dois anos eu não dei aulas regularmente em nenhuma escola ou faculdade, somente aulas particulares de filosofia e algumas designações do estado. Entretanto, fui obrigado a aceitar um emprego muito abaixo do que eu esperava em relação ao meu nível de estudo.... Fui trabalhar no call center da AeB como atendente de telemarketing.... Ao colocar a situação em perspectiva, vejo que passei desde a minha defesa de Dissertação de Mestrado num período de desconstrução de um mundo e de uma reconstrução. O mundo que foi desconstruído foi aquele da vida acadêmica que levou um fim após 7 anos ininterruptos. A necessidade econômica que me fez parar numa central de atendimento foi um fator de decepção pessoal enorme, fora a sensação de impotência ao ganhar menos de um salário mínimo causa perante as várias necessidades que criei. Também, não sou acostumado e nem me adaptei ao ambiente organizacional do call center. As pessoas, desde a gerência até os atendentes, são essencialmente burras. A empresa, assim como qualquer empresa no Brasil visa somente o retorno sobre o investimento. Consideram o funcionário um robozinho e não como pessoa, que gera somente resultados. Além do mais, a burrice é tamanha que não percebem que isso interfere na agilidade de serviço da empresa. Esse é o ambiente em que me meti. Todos os dias eu sinto raiva ao por os pés naquele lugar. Esses dias, chego na empresa e leio o seguinte cartaz pregado na porta da gerência: "Expressamente proibida entrada de alimentos. À Gerência." Não precisa comentar os erros de português aqui. O monitor de qualidade envia para todos os atendentes notas num português totalmente errado e cada parágrafo com uma cor diferente e com uma fonte diferente, nada comum para uma circulação de informação dentro da empresa e você leitor pode suspeitar muito bem do que eu insinuei aqui. O ambiente em geral é de gritaria, falta de educação, falta de higiene e de desrespeito. Nesse local, fui obrigado a conviver com as pessoas mais loucas. Uma mulher que afirma beber de todos os "leitinhos" dos bois... Um rapaz com transtorno bipolar que queria quebrar tudo... Uma louca com mania de perseguição que arrumava confusão com todo mundo e além do mais uma outra que, num acesso de loucura, saiu a gritar que era o demônio, o capeta e etc... No departamento de erros de português tem aqueles que escrevem "intinerareo" "pessoua" e assim por diante... Ao mesmo tempo eu convivi com pessoas muito legais mas que eram ridicularizadas pelas pessoas loucas e pelas mentes mais abaixo da mediocridade. Fui taxado pelo meu supervisor de louco por tentar doutorado na UFMG e, PASMEM, ao informar que iria pedir demissão por conta do doutorado, recebi a seguinte proposta: "VOCÊ PODERIA CONCILIAR O DOUTORADO COM O SEU TRABALHO?" Rapaz.... as pessoas não sabem o que é um doutorado! Fui considerado funcionário ofensor por faltar alguns dias para participar do encontro brasileiro de lógica também. Ora, eu ia deixar de participar do evento mais importante da minha área para ficar sentado numa central de atendimento... nunca... Foi um período de desconstrução também por não me achar capaz de alçar voos maiores mas que eu reuni forças para isso e agora no final de 2011 percebi que consegui o que queria e que sou capaz de coisas ainda maiores. Enfim, foi um período difícil mas que superei e lamento muito por aqueles que ainda dependem do call center como os da AeB para sobreviver porque esses ainda irão sofrer todo tipo de situação indesejada por lá. Essa semana pedirei demissão e irei para o interior para descansar porque o que me espera é muito trabalho intelectual pela frente, o que eu realmente mereço como profissional de competência reconhecida, ou seja, a minha reconstrução.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Paisagem de BH de manhã

Saio de casa para ir à casa de minha aluna, Catarina, que é psicóloga e que dou aulas de filosofia. Caminho até a avenida Antônio Carlos, uma das maiores de BH para tomar um onibus. Entro no onibus. Ao mesmo tempo, entra um vendedor de balas que conta a sua história pessoal dramática e comovente para vender as suas balas. Daí ele desce alguns pontos mais a frente e entra um outro vendedor de canetas também com uma história comovente a respeito de uma clínica de recuperação de usuários de crack. Esse desce em frente ao Hospital Belo Horizonte após vender 5 canetas. Tenho que tomar o segundo ônibus no centro de BH até a casa de Catarina. O transito está horrível. Ainda na Anonio Carlos, no cruzamento com a avenida Abraão Caram, vejo um motoqueiro estirado no chão e, ao redor dele, vários outros motoqueiros e, prestando socorros, uma ambulância do SAMU. Mais à frente, a Av. Antônio Carlos está numa obra interminável, que liga os viadutos da lagoinha ao corredor central de onibus. Por isso, os onibus e os carros são obrigados a disputarem espaço num funil bem no final da Avenida. Daí, fico uma hora e meia agarrado no trânsito para sair da Av. Antônio Carlos. Finalmente, quando saio, o onibus consegue tomar o viaduto e lá fica mais 20min. Depois, o onibus entra na Av. Afonso Pena, desco e tomo outro onibus na rua curitiba. Vejo vendedores de café e pão de queijo em algumas das esquinas do centro. Compro um cafezinho e um pão de queijo e vou para o ponto de onibus. Ao esperar o onibus, percebo que as lojas de eletrodomestcos estão todas abertas já bem cedo e tudo está em liquidação. Todas as lojas colovam músicas no mais alto volume. Na disputa de barulhos, já não entendo mais nada do que está sendo passado ou o que está em promoção. Finalmente o onibus chega, eu e mais umas 30 empregadas domésticas entramos e rumamos para uma das regiões mais nobres da cidade. Passo em frente à barragem do Santa Lucia. De um lado da lagoa vejo uma favela, do outro lado, vejo lindas casas e prédios da classe média-alta de BH. Quanto mais perto da case de Catarina, vejo mais casas lindas. Finalmente chego na casa de minha aluna e dou a aula de filosofia, percebo em seu olhar o brilho e o interesse por tal conhecimento. Saio da casa dela e experimento toda essa realidade maluca de uma cidade grande de volta.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Paisagem do centro de BH à noite



É meia noite e acabo de sair do trabalho pensando em meus (pseudo)problemas. Saio da rua Espírito Santo e entro na Av. Amazonas, próximo à Praça 7 de Setembro. Vejo foliões descendo a Amazonas em direção à Av. dos Andradas. Estava chuviscando e um pouco frio. Abro o meu guarda-chuva e enquanto isso, em frente ao Banco do Brasil, vejo três meningos brigando. Um estava deitado e enrolado no papelão. Dois deles mandavam o outro tomar naquele lugar. Foi engraçado e trágico. Caminho em direção à Praça 7. Ao chegar no cruzamento com a Av. Afonso Pena, sou abordado por um usuário de drogas totalmente transtornado gritando e pedindo dinheiro porque foi assaltado e precisava retornar pra casa. Pensei comigo: ele queria era mais dinheiro para fumar crack e não dei nada. Caminho ao longo da Av. Afonso Pena e vejo mais "noiados". Depois, vou em direção à Av. Paraná esperar meu onibus para casa. Vejo vendedores de cachorro quente, de churrasco e de amendoim torrado por todas as esquinas do centro. Nas barraquinhas de churrasco haviam latas de tinta ou óleo pegando fogo. Em volta dessas latas, adultos e meninos de rua se esquentavam. Na Av. Paraná a paisagem piora. Mais noiados caminham em direção ao centro. Vejo uma mulher com 8 parafussos cravados no fêmur esquerdo, suja, caminhando com dificuldade e, pra variar, drogada. Mais uma vítma do crack e da desigualdade social dessa cidade. Olho para o chão na Av. Paraná e vejo desenas de ratos. Pra fujir dos ratos, as pessoas esperam os ônibus no canteiro central da avenida. Finalmente o onibus chega, atravesso do canteiro central para o lato esquerdo da pista. Entro no ônibus e volto a refletir sobre os meus (pseudo)problemas.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Histórias




O Call Center é um lugar super LGBT. Lá se convive com pessoas de todos os tipos. É interessante perceber tantos evangélicos convivendo com tantos gays. Isso é muito bom. Ao mesmo tempo, o que é ruim, sou abrigado a conviver com pessoas mal humoradas. Uma operação de Call Center é uma atividade estressante, porém, isso não significa que alguém que entre num elevador, estressado, tenha o direito de chamar a controladora do elevador de louca. Isso eu acho um absurdo. Vá descontar o estresse com sexo porque pelo amor de Deus...
Já disse por aqui que a minha operação é a do DER. Cada turno de nossa operação funciona com sete operadores. Ao entrar na minha operação, me deparo com vários tipos de pessoas e histórias. Cada indivíduo traz uma história diferente. A começar pela supervisora da operação do DER, uma historiadora muito simpática. Uma das minhas companheiras de operação é uma oceanógrafa que estudou em Santos e promove festas em BH. Passa as “horas vagas” no call center. Algumas histórias são trágicas. Tenho um companheiro de operação que já tentou suicídio e, por incrível que pareça, eu acho que ele é a pessoa mais legal naquela operação, no meu turno. Acredito que ele esteja numa “fase boa”.
Outro está passando maus bocados. A esposa o abandonou e, como se não bastasse, lhe entregou ele os três filhos sem prestar nenhum tipo de assistência. Ela não sabe o mal que causará para o desenvolvimento dessas crianças. E além do mais, ele está muito mal, tendo que trabalhar em dois empregos para dar conta dessa batalha.
Cada um tem a sua história. Podia ficar o dia todo a conversar com eles porque acho muito interessante como tanta gente diferente, diferente mesmo, consegue se coordenar num trabalho de equipe um tanto extenuante.

domingo, 12 de setembro de 2010

Operador de Call Center



Eu estava andando pela avenida Afonso Pena num dia muito ruim porque eu estava sem nenhum puto no bolso. Daí surgiu a ideia de me inscrever para uma entrevista para trabalhar como operador de call center da A e C. No dia seguinte, fui lá no RH da A e C fazer a entrevista e a redacção. O processo foi bem rápido já que eles têm uma demanda muito grande de funcionários. A psicóloga apresentou rapidamente a A e C, falou o que a A e C vende para outras empresas e as vantagens de fazer parte da A eC. Daí, ela nos mandou preencher uma ficha e fazer a redacção. O que aconteceu depois foi que grande parte da turma foi fazer exame médico numa empresa de RH fora da A e C e outra parte fez os exames dentro da A e C no dia seguinte. Eu fiquei pra fazer os exames no dia seguinte dentro da A e C. Foram vários exames... pressão, audiometria, exame médico e teste de personalidade. Fui pra uma sala de espera e aguardei a psicóloga dizer que eu e mais alguns iríamos trabalhar na operação do DER. De novo na rua da amargura fiquei esperando a AeC me ligar para começar o treinamento do DER.

Desde o fim do feriado estou realizando esse treinamento com os instrutores da AeC. Eles apresentaram até o momento as normas de segurança da AeC, regras de conduta dos OCC e normas de comportamento dentro dos sites da AeC. Semana que vem vou começar o treinamento com a equipe do DER. Eles vão nos instruir sobre o funcionamento dos softwares e como buscar as informações para os usuários do DER. Basicamente, a operação consiste em colher reclamações sobre as estradas, informar a situação das estradas aos motoristas e horário de ônibus aos usuários. É uma operação muito simples e o treinamento é muito curto. Tudo que temos de informar está contido no site do DER, só que quem está na estrada a pedir uma informação não possui um PC para realizar a consulta, porém, possui um telefone e pode ligar para a AeC, onde realizaremos as pesquisas no site.

Sem a parte de apresentação da A e C, o treinamento dura cinco dias. Porém, é um treinamento puxado. Cada dia de treinamento dura exatamente uma jornada de trabalho de um OCC, que são 6h20 diárias. Acho que isso é para os intrutores terem ideia de como os OCC's vão se comportar durante uma jornada de 6h20, já que ainda estamos em processo selectivo. Temos que realizar todos os dias uma prova ou mais, e devemos acertar oitenta por cento da prova. Não é nada muito difícil já que ser OCC não é também uma coisa muito difícil. Mas pode ser que ainda eu nem passe nessas provas. Pode ser que eu não tenha 80 por cento do rendimento dessas provas.

Os instrutores são muito bem preparados, eles sabem o que dizem porque passaram muito tempo trabalhando como OCC, só que lhes faltam organização quanto aos recursos didáticos a serem utilizados. Eles têm o planejamento das aulas quanto ao conteúdo, que é padrão, só que não planejam as aulas quanto aos recursos didáticos. Planejar os recursos didáticos de uma aula tornaria o treinamento excelente e sem desperdício de tempo. Infelizmente esse tipo de conhecimento só é adquirido num curso de licenciatura onde passamos grande parte do curso a planejar cursos e aulas.

Isso tudo tem me chamado a atenção para o mundo dos call centers. Eu guardava muito preconceito quanto aos OCC's, mas tenho percebido que é uma atividade necessária e complexa e que sempre existirá uma demanda muito grande de funcionários. É preciso contratar pessoas que saibam lidar com tecnologia, computadores, etc. Essa atividade envolve muita tecnologia, muitos funcionários e possui muitos problemas também, como todo setor de atividade humana. Cada PC e telefone de um OCC está conectado a vários computadores servidores de grande porte. Cada servidor realiza uma função específica como armezenar softwares, dados de clientes e gravação de ligações, por exemplo. Um dos problemas dos call centers é a rotatividade muito grande de funcionários. Ao mesmo tempo que se contrata muita gente, muita gente é demitida. Apesar do salário não ser "grande coisa" para um OCC, entrar em contato com esse mundo tem sido importante...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Causalidade e Direção do Tempo


A importância do livro de Aguiar está em introduzir no Brasil o debate contemporâneo em torno da idéia de causa. Nesse livro, Aguiar procura mostrar como a direção da causação não pode ser invertida. Ele parte da idéia metafísica de que o mundo possui feições assimétricas e a causação deve representar essa imagem do mundo. Por exemplo, se lançamos uma pedra num lago, veremos, a partir do momento que a pedra toca o lago, a formação de ondas concêntricas que se afastam do ponto de onde a pedra tocou o lago, porém, nunca vamos ver as ondas voltando para o centro e a pedra sendo expulsa do lago. Isso não ocorre porque o tempo é assimétrico. Porém, qual estrutura causal explica esse caráter assimétrico do tempo? Essa estrutura tem que ser assimétrica também, para mostrar que sempre a causa segue ao efeito e nunca do efeito para a causa. Aguiar mantém na causação a noção de assimetria entre causa e efeito e procura criticar aquelas teorias da causação que admitem a tese da simetria. Ao mesmo tempo em que as teorias não são assimétricas em relação ao tempo, elas possuem graves equívocos epistemológicos. Vamos citar apenas alguns deles, análises mais profundas podem ser encontradas no livro.

Toda a análise da idéia de causação parte da idéia de causa de Hume. Uma das definições de causa de Hume diz que é “um objeto precedente e contíguo a outro, tal que todos os objetos semelhantes ao primeiro são colocados em uma relação semelhante de prioridade e contigüidade com os objetos semelhantes ao último.” (Hume, 1739, p. 172 apud Aguiar, 2008, 42). Nesse sentido, a noção de causa é assimétrica, ou seja, para que um evento seja causa de outro evento é necessário que ele seja anterior ao evento que ele propõe ser a causa.

Mas a anterioridade no tempo de um evento em relação a outro evento não é suficiente para garantir uma relação causal entre dois eventos. A investigação da noção de causalidade ainda possuía, para Hume, um aspecto psicológico, mas a tradição da investigação sobre a noção de causalidade do empirismo lógico tratou de substituir por aspectos lógicos, epistemológicos e pragmáticos, o que gerou um programa amplo se discussão em torno da causação que ganha cada vez mais força, inclusive no pensamento atual. Essa tradição possui um enfoque regularista da noção de causalidade. O livro de Aguiar investiga os aspectos dessa tradição filosófica regularista da causação. Os trabalhos sobre a causação nessa tradição se preocupam em tratar dos aspectos causais contidos nas explicações científicas.

Segundo Aguiar, a tradição regularista sempre parte da análise do Modelo Nomológico Dedutivo de Hempel (N-D) para a explicação científica. N-D possui uma estrutura causal que nos remonta a Hume. N-D constitui um esquema formal, como se fosse um argumento lógico em que as premissas são as condições iniciais do fenômeno e as leis gerais que constituem o explanans; e o explanandum, que é inferido do explanans, e é a conclusão do argumento. Segundo Hempel, N-D pode ser usado tanto para a explicação científica, que trata de fenômenos já acontecidos quanto para prever os fenômenos, portanto, N-D é simétrico em relação ao tempo, porém ainda utiliza de uma estrutura causal em que o antecedente vem anteriormente ao conseqüente, herdado da definição de causa de Hume, o que gera um problema, já que isso é uma relação assimétrica, em que a causa vem antes do efeito. Aqui temos configurado o problema de sustentar uma tese simétrica sobre uma estrutura assimétrica, problema que somente terá uma solução após um exame das teorias da causação existentes e uma exibição da noção de que a estrutura pura de uma causa sempre é assimétrica e toda estrutura que se propõe simétrica e que é construída sobre uma estrutura causal é problemática.

A teoria da transferência da causação mantém a idéia de que uma quantidade de energia ou de matéria é transferida da causa para o evento que constitui o efeito. Assim, é possível traçar o caminho seguido da causa para o efeito a partir do efeito, porque nessa transferência deixou evidências. Essa teoria é boa para lidar com problemas de preempção, em que duas causas levam ao mesmo efeito, já que uma única causa realmente levou ao efeito.

Para a teoria da agência, há a necessidade de um agente para fazer acontecer um evento A e esse evento ser a causa de um evento B. O problema da teoria da causação da agência é que ela introduz novamente a metafísica do sujeito como iniciador dos processos causais, o que retira o foco de atenção em relação ao enfoque regularista da causação.

A teoria contrafactual de Lewis lida com a concepção de mundos possíveis. Dentre os vários mundos possíveis, existem aqueles que estão mais próximos do nosso mundo e, portanto, as proposições sobre esses mundos têm mais chances de serem verdadeiras. A causação contrafactual afirma que uma relação causal, para ser verdadeira, necessita de que a causa esteja presente num mundo possível próximo ao nosso mundo. Esse mundo deve ter leis de funcionamento não muito discrepantes das do nosso mundo para que um mínimo de verdade seja preservado.

Uma das características da causação contrafactual é que ela não preserva a assimetria, permitindo uma causação retrocedente. Uma causa determina um efeito assim como um efeito determina a sua causa. Nesse sentido, essa teoria não é muito boa para estabelecer a direção do tempo, que é assimétrica. Na assimetria, o passado está fechado a qualquer determinação, permanecendo, portanto, indeterminado. A não ser que seja estabelecido um mundo possível em que isso ocorra. Porém, ocorrendo num mundo possível não é o mesmo que ocorrer no nosso mundo, já que o nosso mundo é essencialmente assimétrico.

As teorias probabilísticas da causação são aquelas que lidam com a possibilidade de uma causa aumentar a probabilidade de um efeito acontecer. Porém, a causação probabilística esbarra nos problemas clássicos dos erros indutivos, ou dos erros estatísticos, em que, considerando a causa como um todo, podemos chegar a um determinado resultado, mas se compartimentarmos as causas, os efeitos serão contrários. Entre outros erros epistemológicos possíveis, a causação probabilísticas se torna inviável para uma boa teoria da causação se esses erros não forem tratados.

Uma boa teoria da causação deve assumir a assimetria como real e também assumir a adequação empírica como único critério objetivo. Aguiar propõe que a melhor teoria seria a abordagem situacional da causação de Horwich. Essa teoria assume a tese de assimetria, além disso, essa concepção está de acordo com uma pragmática da explicação. Não importa qual teoria da causação estrutura uma explicação, desde que ela tenha uma adequação empírica e dê conta de explicar os fenômenos, complementa Aguiar referindo-se ao nominalista van Fraassen. Essas demandas pragmáticas não conseguem inverter a assimetria e, portanto, se vinculam à abordagem situacional. A abordagem situacional é útil para a geração de uma explicação assimétrica já que não podemos explicar as causas a partir dos efeitos, somente o inverso é válido.

A abordagem situacional de Horwich permite que consideremos uma rede causal não muito longa. Por exemplo, para explicar como um fósforo se acendeu não pecisamos traçar uma rede causal de remonta ao big bang. A abordagem situacional é uma tentativa de sistematizar o circuito causação, lei, explicação e dependência contrafactual mantendo a tese da assimetria. Ela é pragmática enquanto que ela se utiliza de qualquer uma das abordagens acima para garantir que se construa a explicação de um fenômeno, o que demonstra ser um programa amplo e bom o bastante para construir uma teoria da causação. Porém, a abordagem situacional é o primeiro passo a para se entender do ponto de vista filosófico as teses de assimetria. A assimetria temporal é uma delas, porém, ainda existem assimetrias como a da explicação e da entropia, por exemplo, todas esperando uma resposta filosófica que no estado da arte da causação oscilam entre a simetria e a assimetria.

Data Trash

Data Trash é um livro que investiga o fetichismo por trás da realidade virtual. O que leva um casal de adolescentes a postarem para o mundo virtual cenas de sexo no TwitCam? O que leva a uma mulher traída a postar o knockout dado na amante do marido no YouTube? O que leva as pessoas a consumirem tecnologia? Entre outras barbaridades comuns no mundo virtual, o que está por trás de atos como esses é o desejo de virtualização, aquilo que sustenta a cultura digital.

Data Trash é um livro de teoria crítica sobre a cultura digital que segue a linha nietzschiana de pensamento. Aqui, Nietzsche tem um net book e um modem. Nietzsche pensava que o ideal ascético retirava o homem do mundo em que vive, negando a vida em prol de algo que nem se sabe se existe como a vida eterna fora do mundo. Na verdade, o ideal ascético é uma das utilidades da vontade de potência. Se não podemos realizar os nossos desejos aqui nesse mundo trágico que ao mesmo tempo nos dá prazer e dor, então projetamos a existência de um mundo além através da vontade de potência, vivemos a ascese moral nesse mundo negando todos os prazeres da carne. Matando-nos, fazemos nossas malas e nos mudamos para o mundo imaginário do além-vida. O mesmo acontece na era digital em Data Trash. A vontade de potência aqui é isomorfa ao desejo de virtualização.

A frase da capa nos diz: “a cheirar as flores virtuais e a contar os mortos por atropelamento da supervia digital”. Os mortos são aqueles que se matam em vida para viver o ideal ascético proporcionado pela realidade virtual. A carne dos mortos, o que tem de real, é aquilo que faz o asfalto do caminho que leva a todos para dentro da realidade virtual, o paraíso em que os histéricos partidários da experiência telemática nunca querem sair. O mundo virtual é uma espécie de mundo inexistente, produto de um emaranhado de fibra ótica e impulsos elétricos. O mundo virtual está devidamente armazenado em bancos de dados espalhados pelo mundo. O mundo digital progride no estado da arte de designers, computação e de efeitos psicológicos feitos para nos determos cada vez mais dentro dessa realidade.

O papel do mundo virtual é proporcionar uma experiência, a experiência telemática do corpo, um corpo sem corpo que pode realizar tudo o que quiser no mundo virtual. Lá a pessoa pode ter prazeres que nunca teria na realidade, pode ter milhares de amigos que nunca irá conhecer na vida real. Sexo sem contato... Redes de amigos... Pseudônimos... Plataforma Moodle... Wikipedia... Na verdade, a pessoa pode morrer em vida, desde que continuem vivas as suas experiências do corpo telemático. A realidade virtual é o software. O nosso corpo, a nossa vida comum, é o hardware. Curiosamente, o software nega a existência do hardware nesse caso, matando-o metaforicamente.

Assim como o padre asceta, o tecnocrata digital é o responsável por nos determos dentro do mundo digital. Existem dois tipos de tecnocratas digitais. Os visionários que fazem o prospecto daquilo “que podem ganhar” com a realidade virtual de modo a nos determos cada vez mais dentro dessa realidade em prol de “um sistema operacional amigável” ou de uma rede social qualquer e os cientistas que criam os mecanismos para a sustentação de toda a realidade virtual, são aqueles que fazem a manutenção da supervia digital. Bill Gates, Steve Jobs, todos vendem uma ideologia, a tecnotopia: compre o novo Windows, o novo pacote Office, o novo Mac Book ou o iPhone. Ou compre ou não terá acesso à realidade virtual. Os tecnogratas detêm a ideologia: a tecnotopia.

Os tecnocratas são os detentores do poder hoje porque hoje tudo é informação. A informação está armazenada em algum data wirehouse da Sun Micro Systems, ou em algum Mac Book, ou foi processada no pacote Office ou manipulada por um banco de dados criado por algum pacote de desenvolvimento da Embarcadero Technologies, etc. Deter o conhecimento tecnológico para o lucro? Não. Porque dinheiro é apenas mais um bit num campo de banco de dados.

A supervia digital é como se fosse uma estrada. Tomamos uma estrada porque estamos interessados em ir para algum lugar, o mesmo acontecendo com quem entra na supervia digital. O endereço é a realidade virtual que não está em lugar nenhum, é apenas produto de um circuito elétrico comandado pelo tecnocrata. Aqueles que entram na supervia digital pagam o pedágio ao tecnocrata, são atropelados e mortos, da sua carne é feito o asfalto que leva à realidade virtual. Tomamos o rumo da realidade virtual pela supervia digital e nesse momento, negamos a nossa existência enquanto seres reais e podemos ser o que quisermos dentro do mundo digital. Por exemplo, o pedófilo pode ser a criança mais tenra. Lá, o pedófilo mata a sua realidade de um adulto traumatizado e renasce dentro da experiência do corpo telemático da criança sem traumas. Tudo devidamente sustentado pelo desejo de virtualização, pela experiência telemática, pela tecnotopia.

A tecnotopia vende a idéia de que existe uma grande comunidade virtual onde todos se comunicam não importa onde estejam. Nessa comunidade virtual, existem várias possibilidades de interações sociais virtuais. Há comunidades de desenvolvimento virtuais, etc. O que acontece aqui é que a pessoa pode ter várias dessas experiências virtuais, mas pode ser que na realidade da pessoa seja totalmente antissocial. Portanto, a tecnotopia vende a possibilidade de alguém ser algo que não condiz com a sua realidade, e, portanto, não muda em nada a sua realidade. A tecnotopia transforma as pessoas em esquizóides, vivem na borda de um mundo irreal e de um mundo real que estão a negar a todo momento. E pagam ao tecnocrata para isso.

A tecnotopia é contraditória. Tudo resulta em poder para o tecnocrata enquanto que alguém tem uma experiência telemática ilusória. Por trás da tecnotopia estão os ansiosos pela experiência telemática que não aceitam nenhum tipo de crítica, ao mesmo tempo em que compram todas as idéias vindas dos tecnocratas que sustentam a realidade virtual. A idéia é adaptar-se para a realidade virtual e tornar-se um consumidor ávido dessa realidade. Morre-se numa supervia digital que não existe, seduzido por uma elite que detém a informação.

Tudo que é real degrada-se perante a tecnotopia. Uma vez dentro das experiências telemáticas proporcionadas pela realidade virtual, não há mais sentido em realizar os desejos sexuais mais infantis no mundo real. Tudo está a um clique. Tudo é infantilizado para sermos pegos pelos desejos mais infantis.

Não há, para a tecnotopia, fronteiras internacionais. A tecnotopia instalou a economia virtual, o capitalismo a toda a parte, o “capitalismo da Nintendo” em que os mecanismos perversos do capitalismo real são mapeados em sistemas capitalistas irreais do mundo virtual. Pague com o seu cartão Visa para ter acesso à determinada informação ou realização do desejo ou não entrará na comunidade. Tudo roda sobre o software do capitalismo virtual. Uma vez sobre o capitalismo virtual, nenhum valor cultural é mantido, tudo é recombinado, implementado e criptografado. Análises mais profundas sobre a economia virtual podem ser encontradas no livro.

O objetivo tecnotopia é seduzir. Esse processo ocorre pelas imagens. As imagens não possuem um valor artístico nesse caso. Elas apenas são propagandas, para nos tomar por aspectos emocionais. Cada imagem é um link que nos leva para dentro da realidade virtual. Qualquer coisa que venha a ser representada é liguidificada em códigos, em rotinas de programação úteis para nos direcionar ao caminho do pedágio do tecnocrata.

O livro termina com uma reflexão sobre história e a realidade virtual. A história é um arquivo de dados virtual onde estão contidos os que foram seduzidos pela experiência telemática. Nesse caso, a história é uma grande experiência telemática. O corpo é capaz de ser recombinado através de códigos dentro dessa história, recortado, copiado e colado. Na realidade, todos estão mortos (metaforicamente). Porém, na realidade virtual, todos podem estar vivos. Tudo acontece como se fosse na atualidade.

No arquivo da história virtual, não há tempo, já que o que está acontecendo na realidade virtual pode ser reprogramado e recombinado infinitas vezes para acontecer de novo e do modo como se quer que aconteça. Isso porque uma história virtual nunca existiu, assim como uma realidade virtual nunca existiu. Porém, o desenvolvimento das tecnologias e o poder sedutor da tecnotopia geram um “fim da história” expresso numa grande realidade virtual atemporal, reprogramável pelo tecnocrata.

Claro, isso é apenas um cenário filosófico, mas que nos chama a atenção para lançarmos um olhar crítico para o que está acontecendo à nossa volta em relação às barbaridades on-line que reverberam em nosso mundo real. Data Trash é uma leitura obrigatória para filósofos, comunicadores e educadores ou para qualquer um que lida com as tecnologias contemporâneas.