sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Finalmente o fim do call center


Depois de dois anos com medo do leão, resolvi enfrentá-lo. Foram dois anos sem estar matriculado regularmente em um curso e somente frequentando disciplinas isoladas na UFMG. Esse ano fiz o concurso de doutorado e passei em primeiro lugar na linha de pesquisa de lógica e filosofia da ciência. Fiquei em quarto lugar na colocação geral e em terceiro lugar na prioridade de bolsas. Uma nota bem satisfatória e uma vitória merecida. O caminho não foi fácil. Nesses dois anos eu não dei aulas regularmente em nenhuma escola ou faculdade, somente aulas particulares de filosofia e algumas designações do estado. Entretanto, fui obrigado a aceitar um emprego muito abaixo do que eu esperava em relação ao meu nível de estudo.... Fui trabalhar no call center da AeB como atendente de telemarketing.... Ao colocar a situação em perspectiva, vejo que passei desde a minha defesa de Dissertação de Mestrado num período de desconstrução de um mundo e de uma reconstrução. O mundo que foi desconstruído foi aquele da vida acadêmica que levou um fim após 7 anos ininterruptos. A necessidade econômica que me fez parar numa central de atendimento foi um fator de decepção pessoal enorme, fora a sensação de impotência ao ganhar menos de um salário mínimo causa perante as várias necessidades que criei. Também, não sou acostumado e nem me adaptei ao ambiente organizacional do call center. As pessoas, desde a gerência até os atendentes, são essencialmente burras. A empresa, assim como qualquer empresa no Brasil visa somente o retorno sobre o investimento. Consideram o funcionário um robozinho e não como pessoa, que gera somente resultados. Além do mais, a burrice é tamanha que não percebem que isso interfere na agilidade de serviço da empresa. Esse é o ambiente em que me meti. Todos os dias eu sinto raiva ao por os pés naquele lugar. Esses dias, chego na empresa e leio o seguinte cartaz pregado na porta da gerência: "Expressamente proibida entrada de alimentos. À Gerência." Não precisa comentar os erros de português aqui. O monitor de qualidade envia para todos os atendentes notas num português totalmente errado e cada parágrafo com uma cor diferente e com uma fonte diferente, nada comum para uma circulação de informação dentro da empresa e você leitor pode suspeitar muito bem do que eu insinuei aqui. O ambiente em geral é de gritaria, falta de educação, falta de higiene e de desrespeito. Nesse local, fui obrigado a conviver com as pessoas mais loucas. Uma mulher que afirma beber de todos os "leitinhos" dos bois... Um rapaz com transtorno bipolar que queria quebrar tudo... Uma louca com mania de perseguição que arrumava confusão com todo mundo e além do mais uma outra que, num acesso de loucura, saiu a gritar que era o demônio, o capeta e etc... No departamento de erros de português tem aqueles que escrevem "intinerareo" "pessoua" e assim por diante... Ao mesmo tempo eu convivi com pessoas muito legais mas que eram ridicularizadas pelas pessoas loucas e pelas mentes mais abaixo da mediocridade. Fui taxado pelo meu supervisor de louco por tentar doutorado na UFMG e, PASMEM, ao informar que iria pedir demissão por conta do doutorado, recebi a seguinte proposta: "VOCÊ PODERIA CONCILIAR O DOUTORADO COM O SEU TRABALHO?" Rapaz.... as pessoas não sabem o que é um doutorado! Fui considerado funcionário ofensor por faltar alguns dias para participar do encontro brasileiro de lógica também. Ora, eu ia deixar de participar do evento mais importante da minha área para ficar sentado numa central de atendimento... nunca... Foi um período de desconstrução também por não me achar capaz de alçar voos maiores mas que eu reuni forças para isso e agora no final de 2011 percebi que consegui o que queria e que sou capaz de coisas ainda maiores. Enfim, foi um período difícil mas que superei e lamento muito por aqueles que ainda dependem do call center como os da AeB para sobreviver porque esses ainda irão sofrer todo tipo de situação indesejada por lá. Essa semana pedirei demissão e irei para o interior para descansar porque o que me espera é muito trabalho intelectual pela frente, o que eu realmente mereço como profissional de competência reconhecida, ou seja, a minha reconstrução.