sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Causalidade e Direção do Tempo


A importância do livro de Aguiar está em introduzir no Brasil o debate contemporâneo em torno da idéia de causa. Nesse livro, Aguiar procura mostrar como a direção da causação não pode ser invertida. Ele parte da idéia metafísica de que o mundo possui feições assimétricas e a causação deve representar essa imagem do mundo. Por exemplo, se lançamos uma pedra num lago, veremos, a partir do momento que a pedra toca o lago, a formação de ondas concêntricas que se afastam do ponto de onde a pedra tocou o lago, porém, nunca vamos ver as ondas voltando para o centro e a pedra sendo expulsa do lago. Isso não ocorre porque o tempo é assimétrico. Porém, qual estrutura causal explica esse caráter assimétrico do tempo? Essa estrutura tem que ser assimétrica também, para mostrar que sempre a causa segue ao efeito e nunca do efeito para a causa. Aguiar mantém na causação a noção de assimetria entre causa e efeito e procura criticar aquelas teorias da causação que admitem a tese da simetria. Ao mesmo tempo em que as teorias não são assimétricas em relação ao tempo, elas possuem graves equívocos epistemológicos. Vamos citar apenas alguns deles, análises mais profundas podem ser encontradas no livro.

Toda a análise da idéia de causação parte da idéia de causa de Hume. Uma das definições de causa de Hume diz que é “um objeto precedente e contíguo a outro, tal que todos os objetos semelhantes ao primeiro são colocados em uma relação semelhante de prioridade e contigüidade com os objetos semelhantes ao último.” (Hume, 1739, p. 172 apud Aguiar, 2008, 42). Nesse sentido, a noção de causa é assimétrica, ou seja, para que um evento seja causa de outro evento é necessário que ele seja anterior ao evento que ele propõe ser a causa.

Mas a anterioridade no tempo de um evento em relação a outro evento não é suficiente para garantir uma relação causal entre dois eventos. A investigação da noção de causalidade ainda possuía, para Hume, um aspecto psicológico, mas a tradição da investigação sobre a noção de causalidade do empirismo lógico tratou de substituir por aspectos lógicos, epistemológicos e pragmáticos, o que gerou um programa amplo se discussão em torno da causação que ganha cada vez mais força, inclusive no pensamento atual. Essa tradição possui um enfoque regularista da noção de causalidade. O livro de Aguiar investiga os aspectos dessa tradição filosófica regularista da causação. Os trabalhos sobre a causação nessa tradição se preocupam em tratar dos aspectos causais contidos nas explicações científicas.

Segundo Aguiar, a tradição regularista sempre parte da análise do Modelo Nomológico Dedutivo de Hempel (N-D) para a explicação científica. N-D possui uma estrutura causal que nos remonta a Hume. N-D constitui um esquema formal, como se fosse um argumento lógico em que as premissas são as condições iniciais do fenômeno e as leis gerais que constituem o explanans; e o explanandum, que é inferido do explanans, e é a conclusão do argumento. Segundo Hempel, N-D pode ser usado tanto para a explicação científica, que trata de fenômenos já acontecidos quanto para prever os fenômenos, portanto, N-D é simétrico em relação ao tempo, porém ainda utiliza de uma estrutura causal em que o antecedente vem anteriormente ao conseqüente, herdado da definição de causa de Hume, o que gera um problema, já que isso é uma relação assimétrica, em que a causa vem antes do efeito. Aqui temos configurado o problema de sustentar uma tese simétrica sobre uma estrutura assimétrica, problema que somente terá uma solução após um exame das teorias da causação existentes e uma exibição da noção de que a estrutura pura de uma causa sempre é assimétrica e toda estrutura que se propõe simétrica e que é construída sobre uma estrutura causal é problemática.

A teoria da transferência da causação mantém a idéia de que uma quantidade de energia ou de matéria é transferida da causa para o evento que constitui o efeito. Assim, é possível traçar o caminho seguido da causa para o efeito a partir do efeito, porque nessa transferência deixou evidências. Essa teoria é boa para lidar com problemas de preempção, em que duas causas levam ao mesmo efeito, já que uma única causa realmente levou ao efeito.

Para a teoria da agência, há a necessidade de um agente para fazer acontecer um evento A e esse evento ser a causa de um evento B. O problema da teoria da causação da agência é que ela introduz novamente a metafísica do sujeito como iniciador dos processos causais, o que retira o foco de atenção em relação ao enfoque regularista da causação.

A teoria contrafactual de Lewis lida com a concepção de mundos possíveis. Dentre os vários mundos possíveis, existem aqueles que estão mais próximos do nosso mundo e, portanto, as proposições sobre esses mundos têm mais chances de serem verdadeiras. A causação contrafactual afirma que uma relação causal, para ser verdadeira, necessita de que a causa esteja presente num mundo possível próximo ao nosso mundo. Esse mundo deve ter leis de funcionamento não muito discrepantes das do nosso mundo para que um mínimo de verdade seja preservado.

Uma das características da causação contrafactual é que ela não preserva a assimetria, permitindo uma causação retrocedente. Uma causa determina um efeito assim como um efeito determina a sua causa. Nesse sentido, essa teoria não é muito boa para estabelecer a direção do tempo, que é assimétrica. Na assimetria, o passado está fechado a qualquer determinação, permanecendo, portanto, indeterminado. A não ser que seja estabelecido um mundo possível em que isso ocorra. Porém, ocorrendo num mundo possível não é o mesmo que ocorrer no nosso mundo, já que o nosso mundo é essencialmente assimétrico.

As teorias probabilísticas da causação são aquelas que lidam com a possibilidade de uma causa aumentar a probabilidade de um efeito acontecer. Porém, a causação probabilística esbarra nos problemas clássicos dos erros indutivos, ou dos erros estatísticos, em que, considerando a causa como um todo, podemos chegar a um determinado resultado, mas se compartimentarmos as causas, os efeitos serão contrários. Entre outros erros epistemológicos possíveis, a causação probabilísticas se torna inviável para uma boa teoria da causação se esses erros não forem tratados.

Uma boa teoria da causação deve assumir a assimetria como real e também assumir a adequação empírica como único critério objetivo. Aguiar propõe que a melhor teoria seria a abordagem situacional da causação de Horwich. Essa teoria assume a tese de assimetria, além disso, essa concepção está de acordo com uma pragmática da explicação. Não importa qual teoria da causação estrutura uma explicação, desde que ela tenha uma adequação empírica e dê conta de explicar os fenômenos, complementa Aguiar referindo-se ao nominalista van Fraassen. Essas demandas pragmáticas não conseguem inverter a assimetria e, portanto, se vinculam à abordagem situacional. A abordagem situacional é útil para a geração de uma explicação assimétrica já que não podemos explicar as causas a partir dos efeitos, somente o inverso é válido.

A abordagem situacional de Horwich permite que consideremos uma rede causal não muito longa. Por exemplo, para explicar como um fósforo se acendeu não pecisamos traçar uma rede causal de remonta ao big bang. A abordagem situacional é uma tentativa de sistematizar o circuito causação, lei, explicação e dependência contrafactual mantendo a tese da assimetria. Ela é pragmática enquanto que ela se utiliza de qualquer uma das abordagens acima para garantir que se construa a explicação de um fenômeno, o que demonstra ser um programa amplo e bom o bastante para construir uma teoria da causação. Porém, a abordagem situacional é o primeiro passo a para se entender do ponto de vista filosófico as teses de assimetria. A assimetria temporal é uma delas, porém, ainda existem assimetrias como a da explicação e da entropia, por exemplo, todas esperando uma resposta filosófica que no estado da arte da causação oscilam entre a simetria e a assimetria.

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